O Papel Da Musica Na Igreja
Foi no seminário que fui esclarecido sobre os possíveis papéis da música no culto, papéis que podem ser chamados de “impressão e expressão”[1].
Nas palavras do professor Maestro Parcival Módolo
“... qualquer música, em qualquer culto, pode desempenhar um dos dois papéis: ou ela será ‘Música de Impressão’ ou ‘Música de Expressão’.”[2]
O papel de impressão relaciona-se com o poder que a música tem de atuar sobre o nosso corpo, nossas emoções, alterando-as, seja acalmando-nos, seja exaltando-nos, ainda que sem palavras. A música de impressão é capaz de criar diferentes “climas”, seja de alegria, de paz, de tristeza, de majestade, e até mesmo um ambiente devocional[3]. Esse tipo de música embora venha acompanhado de texto, dele, não depende, e nem mesmo com ele, se preocupa. Valoriza o fenômeno musical em si. Via de regra, seu alvo maior é fazer com que as pessoas presentes se emocionem, criando assim, um suposto ambiente litúrgico, místico, majestoso.
O papel de expressão é bem diferente. A música de expressão é elaborada intencionalmente para que a mensagem da música seja compreendida, ressaltada, fixada, absorvida pelas pessoas. Ela é um veículo para o texto, mais que isso, ela é serva do texto que a acompanha, para que o texto seja ressaltado, por isso, eleva a letra e não a melodia.
A música por excelência na Igreja Católica Romana é o canto gregoriano, criado por Gregório Magno, bispo de Roma entre os séculos VI e VII. Esta música tornou-se a música oficial da Igreja de Roma.
Claramente a função do canto gregoriano era de “impressão”, ou seja, criar um ambiente cultico, místico, majestoso. Assim, não importava que o texto viesse em latim, pois se acreditava que a liturgia da missa era “mágica” e beneficiaria os presentes na missa, quer entendessem ou não[4]. Não importava que só os membros do clero cantassem e que os fiéis somente ouvissem, e ainda assim, incapazes de discernir o que ouviam. Esta é a música que marca a Igreja Católica Romana.
Muito diferente da música na missa romana, na Reforma Protestante no século XVI, a música assume seu papel de expressão. Martinho Lutero e outros tantos reformadores foram os grandes responsáveis por isso. Produziram um tipo de música, que exaltava a Deus, contendo a Palavra de Deus, na língua do povo, fáceis de cantar e entender, preparadas para o uso congregacional nos cultos. Música para ser cantada por todos os fiéis, homens e mulheres, jovens e idosos, música com ensino religioso, que falavam sobre vários temas da religião cristã, sendo apropriadas para diferentes momentos do culto e diferentes ocasiões de acordo com o calendário cristão. Assim, na Reforma o povo cantava teologia e doutrina, a música explicava o texto, uma espécie de sermão cantado.
Há um entendimento equivocado de que os reformadores foram contra o uso da música no culto. A questão era que tipo de música seria apropriado para o culto de Deus? Música de impressão ou música de expressão.
Vejamos as palavras de Calvino
“... o canto por um lado concilia dignidade e graça aos atos sacros, por outro, muito vale para incitar os ânimos ao verdadeiro zelo e ardor ao orar. Contudo, impõe-se diligentemente guardar que não estejam os ouvidos mais atentos à melodia que a mente ao sentido espiritual das palavras...”[5] (grifos meus)
Calvino na verdade está fazendo eco às palavras de Santo Agostinho
“Porém quando me lembro das lágrimas derramadas ao ouvir os cânticos da vossa Igreja nos primórdios da minha conversão à fé, e ao sentir-me agora atraído, não pela música, mas pelas letras dessas melodias, cantadas em voz límpida e modulações apropriadas, reconheço, de novo, a grande utilidade desse costume... Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam, confesso com dor que pequei”[6] (grifos meus)
Para os reformadores de maneira geral o papel da música de impressão é secundário, ele existe, mas não é o fim principal. Entendiam que a emoção no culto é real e agradável a Deus quando passa pelo entendimento das verdades de Deus.
Qual entendimento se aproxima mais das igrejas evangélicas do Brasil? O Católico ou o Reformado? A realidade da maioria das Igrejas evangélicas do Brasil, até mesmo entre as mais tradicionais é que muito se distanciaram do entendimento reformado quanto ao papel da música no culto. Estão mais perto do entendimento Católico Romano. Dá-se muita ênfase ao espetáculo, a música pela música, à melodia, a capacidade que a música tem de proporcionar um ambiente ‘mágico’, que faz as pessoas se arrepiarem, emocionarem, não pelo sentido espiritual da letra que cantam, mas pelas suas sequencias melódicas repetidas de 8 a 12 minutos com pouquíssimo conteúdo teológico/doutrinário, e pobres de significado bíblico, que mais exaltam o homem e seus sentimentos do que a Deus e suas obras, “momentos de louvor” intermináveis e breves 15 minutos para a pregação da Palavra de Deus.
Vale lembrar que o culto não se trata de espetáculo público, onde as pessoas vão para assistir, se deleitar na “música”, sentir a emoção do momento, aplaudir o artista.
Culto é a atividade da nova vida do crente na qual, reconhecendo a plenitude da divindade como se revela na pessoa de Jesus Cristo e em seus poderosos atos redentores, busca pelo poder do Espírito Santo render ao Deus vivo a glória, a honra e a submissão a que Ele tem direito[7]... O culto cristão é prestado espiritualmente, com auxílio do Espírito Santo; tem Jesus Cristo como único mediador, e baseia-se no conhecimento verdadeiro de Deus[8].
No culto adoramos a Deus, falamos com Deus e ouvimos a sua voz.
No culto há lugar para a música, sim, mas ao lado da teologia, fiel e serva do texto. Nesse sentido, há música boa e há música ruim para o culto. Musica ruim é aquela que chama tanto a atenção para si, seja pelo ritmo intenso, seja pela melodia enfática, que é capaz de desviar os fiéis da Palavra; música boa é aquela que, tanto no ritmo, quanto na melodia, abre caminho para o texto, explica, inculca e conduz o fiel a Palavra de Deus.
Concluímos, pois, que a música está longe de ser o problema da Igreja evangélica brasileira, e afirmamos que a música revela um problema na Igreja evangélica brasileira, problema que é teológico, doutrinário.
Foram as convicções teológicas de Lutero e de outros reformadores que fizeram da música na Reforma um importante instrumento de ensino e propagação do evangelho, e é a falta destas mesmas convicções teológicas que faz a Igreja evangélica brasileira virar as costas para a herança que vem da Reforma, trocar belos hinos de louvor a Deus por corinhos e músicas de péssima expressão bíblica, mas que no entanto, por 40, 50 minutos parece nos elevar aos céus, tocam nossos corações, mexem com nossas emoções, mas passam e nos deixam vazios e pobres de entendimento.
Há uma clara inversão acreditando-se que no culto eu me emociono e depois entendo, quando na verdade eu entendo e depois me emociono, e a minha emoção é conseqüência do meu entendimento de Deus e de suas obras. [1] Ver artigo do Professor Maestro Parcival Módulo na Revista Teológica do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, Teologia para vida, Vol. I – nº 1 – junho de 2005, págs. 110 -128.
[2] Idem pág. 121.
[3] Eu mesmo pude testemunhar isto num retiro de carnaval em 2005. A banda convidada já avisava que a noite, o pessoal iria aprender a pular. Não me recordo o que aconteceu, mas antes de passarem para o momento de cânticos, eu tive que sair do salão destinado ao culto e fui até o quarto. Quando retornei a “banda” já estava tocando um “som pesado” e todos pulavam alegres, excitados. Foi a pior noite daquele retiro, simplesmente, não consegui ser ouvido, todos tiveram muita dificuldade para se concentrar no momento da pregação.
[4] Teologia para vida, 126.
[5] Ibidem.
[6] Apud. Teologia para vida, pag. 123.
[7] RIBEIRO. Boanerges. O Senhor que se fez servo, p. 70.
[8] RIBEIRO. Boanerges. O culto de corinto e o nosso, p. 21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário