sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Aborto e a Cultura Da Morte

Passada as eleições presidenciais o tema do aborto foi deixado um pouco de lado tanto na mídia quanto no cenário político. Não deveria, uma vez que em 2010 a cada hora ocorria 12 internações por aborto provocado segundo as informações do SUS. O médico Thomaz Gollop, diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e coordenador do Grupo de Estudo sobre o Aborto afirma que em Pernambuco o aborto é a principal causa de morte.
            Não quero aqui minimizar a importância deste tema. Pelo contrário, considero-o de suma importância, no entanto, creio também que o aborto representa apenas um conflito de uma guerra muito maior que está diante de nós, uma guerra entre a visão cristã e as outras visões seculares sobre o valor da vida humana.
Neste artigo tenho por objetivo mostrar que o aborto é sempre mais do que aborto.[1] É a estrada larga que conduz a sociedade a um rompimento com o compromisso com a dignidade/santidade da vida humana. Que as outras visões seculares sobre o valor da vida humana tendem a criar em nossa sociedade uma verdadeira “Cultura da Morte”.
Chamo de cultura da morte aquela que garante a sociedade o direito de matar.
Não pretendo o título de “profeta alarmista”, mas, olhando para o que aconteceu nos EUA desde 1973, podemos ter um deslumbre de onde isto vai nos levar. Vamos aos fatos.
Em 1973 a Suprema Corte dos EUA decidiu no famoso caso Roe contra Wade[2] que um feto humano não é uma pessoa humana, portanto, não tem direito a vida, sendo assim, é legítimo destruí-lo. A Corte sentenciou que o feto não é gente e não tem nenhum direito em qualquer estágio da gravidez. Somente a mãe é gente, com plenos direitos de privacidade e escolha. O bebe no ventre da mãe pela ótica da cultura da morte, “pode” não ser considerado como um bebe, e sim, como um intruso, alguém indesejado, um agressor, um agente que milita contra a liberdade da mãe, um “demônio” e por isso, matá-lo é o mesmo que agir em legítima defesa.
A cultura da morte estabeleceu, ainda, que o aborto não deveria mais ser tratado como algo terrível, e sim como um bem positivo, entre outras coisas, uma maneira de melhorar a espécie, de garantir a liberdade e o direito de escolha de cada um. O aborto passou a ser um método eficiente de lidar com os problemas de superpopulação, possíveis defeitos congênitos, gravidez prematura e etc. o aborto deixou de ser tratado como um problema moral, criminoso e espiritual, sendo reduzido ao status de “assunto de saúde pública.”

Do Aborto ao Infanticídio
Apenas nove anos depois em 1982 agora com o “Caso do bebe” em Bloomington, Indiana, EUA, a América ultrapassou a linha – de matar o feto vivo no útero da mãe a matar o bebe vivo fora do útero da mãe – ou seja, do aborto para o infanticídio.
O bebe citado havia nascido com uma deformação no esôfago, o que tornava a digestão impossível. No entanto, havia 90% de probabilidades de sucesso numa cirurgia razoavelmente simples. Porém, os pais não autorizaram a cirurgia, e os médicos concordaram, dois tribunais de Indiana se recusaram a intervir no caso, mesmo cientes de que isso causaria a morte do bebe. Seis dias depois o bebe morrera de fome. A razão para não permitirem a cirurgia? O bebe também nascera com a Síndrome de Down.
Mais uma vez “a cultura da morte é aquela que garante a sociedade o direito de matar”. Ela diz que os pais devem ter permissão para matarem seus filhos deficientes, com o argumento de que “eles” não são pessoas de fato, porque não são auto-concientes. Sendo eles uma “não pessoa” são substituíveis, assim como os filhotes de cachorros, cavalos, gatos e etc, percebam que o argumento de “não pessoa” foi o mesmo utilizado para dar as pessoas o direito de realizar o aborto, provando que o fundamento desta filosofia de eliminar bebes defeituosos nasceu dos debates sobre o aborto.

Do Aborto Ao Infanticídio – Do Infanticídio Ao Suicídio Assistido
A cultura da morte vai ainda mais longe. Mais a frente, em 1997, o Estado de Oregon foi o primeiro estado americano a legalizar o suicídio assistido[3], que foi aprovado em plebiscito. Daí você pode perguntar assim: o que tem a ver aborto com eutanásia (suicídio assistido). Para responder a esta pergunta é só observar os argumentos que foram utilizados. A Suprema Corte utilizou-se do direito constitucional de aborto (conquistado em 1973, no caso Roe contra Wade) para validar o direito de suicídio assistido pelo estado. Mais que isso, elevaram ainda mais quando usaram a seguinte definição de liberdade “... o direito de fazer escolhas íntimas e pessoais... essencial a dignidade e autonomia pessoal... o direito de definir o próprio conceito de existência, importância, universo e mistério da vida humana” ora, o que poderia ser mais íntimo e pessoal do que o direito de escolher viver ou morrer?

Garantindo o Direito de Matar
Mas a cultura da morte não para por ai. O próximo passo é defender que todas as pessoas incapazes e em qualquer idade, podem e devem ser aniquiladas se assim for do consentimento dos seus familiares. No caso de pessoas incapazes de darem o seu consentimento, autorização para o suicídio assistido, um substituto poderá faze-lo. Mais uma vez uma fronteira foi rompida, de morte desejada para morte indesejada, passaram da eutanásia ao assassinato, como bem observou o teólogo Russel Hittinger, dizendo “isso já não é mais o direito de morrer; é o direito de alguns americanos matarem outros americanos”.
Recordando, a cultura da morte foi se instalando primeiro com o aborto em caso de estupro, depois por diversas razões; o próximo passo foi o infanticídio; do infanticídio chegamos ao suicídio assistido, também chamada de eutanásia, o próximo passo é assassinato de pessoas que não querem morrer, mas de acordo com a sociedade suas vidas não valem a pena serem vividas. A pergunta que você deve fazer é: o que motivou tudo isso?
O que motivou tudo isso foi uma visão deturpada do valor da vida humana. Uma visão construída nos pressupostos naturalistas que afirma que a espécie humana não é superior a todas as outras espécies biológicas, como bem afirmou Oliver Wendell Holmes[4] ao dizer “não vejo razão nenhuma para atribuir ao homem uma diferença importante de raça daquela pertencente a um balbuíno ou a um grão de areia”.
De acordo com a ética naturalista o corpo é apenas um instrumento para o prazer e nós temos o direito de fazer com ele o que bem entendermos, sem nenhuma importância moral, desde tirar a vida “do outro” seja o que está no útero ou fora dele como tirar a nossa própria vida.
E nós brasileiros, onde estamos? A legislação vigente no Brasil trata o aborto como crime exceto no caso de violência sexual, neste caso a legislação garante à mulher o direito de realizar o aborto até a 20ª semana de gestação. Os discursos mais recentes (não agora nas eleições) apontam para a descriminalização do aborto, equipando o Estado para oferecer às pessoas gratuitamente meios para a prática, acabando assim com as clínicas clandestinas, e por fim, reduzindo a questão do aborto ao status de “assunto de saúde pública”.
Com isso, a cultura da morte está com as portas abertas para fincar os pés em nosso país. Estamos fazendo o mesmo caminho iniciado em 1973 nos EUA. Os cristãos lutam contra o aborto. No entanto tentei mostrar que o aborto é somente um conflito, fruto de uma visão distorcida da vida humana, e que a guerra maior é entre a visão cristã e as visões seculares sobre o valor da vida humana.
Como este artigo não pretende de maneira alguma esgotar o assunto ofereço ao leitor em poucas linhas uma visão que creio ser uma visão bíblica sobre a vida humana.

Visão Bíblica sobre a Santidade/Dignidade da Vida Humana

Na perspectiva bíblica Deus criou os seres humanos. Deus criou o homem à sua imagem, e por isso, a vida é sagrada. Somente Deus pode definir os limites da nossa existência.
Há pelo menos duas razões principais pelos quais o sexto mandamento deve ser obedecido.

1 – O homem foi criado à imagem de Deus

A primeira razão é que o homem foi criado à imagem de Deus. Por isso, se não queremos profanar a imagem de Deus, não devemos fazer nenhuma ofensa ao nosso próximo, pois assassinar “é ofender a Deus e depreciar o Criador.”[5]
A doutrina da imagem de Deus é a razão por traz do sexto mandamento, e também a razão pela qual principalmente os cristãos devem se preocupar com o assassinato. O homem foi criado à imagem de Deus, e é esta convicção diz Michael Horton “que nos vincula ao nosso próximo e aos seus interesses, sem levar em conta se são crentes ou compartilham nossos valores ou ética, herança cultural ou lingüística.”[6]
Em Gênesis 9.6 temos a confirmação bíblica do que defendemos até agora, o texto diz: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem”, assim, “o elemento mais hediondo no pecado de assassinato é o desprezo por Deus ao destruir a vida humana, que porta a Sua imagem.” [7]

Comentando a passagem bíblica acima diz Hoekema:
A razão pela qual o assassinato é descrito aqui em (Gn 9.6) como um crime tão hediondo que deve ser punido com a morte é que o homem que foi assassinado é alguém que refletia a imagem de Deus, era semelhante a Deus e representava Deus. Portanto, quando alguém mata um ser humano, não tira a vida dessa pessoa somente, mas ofende o próprio Deus que está refletido naquele indivíduo. Tocar na imagem de Deus é tocar no próprio Deus; matar a imagem de Deus é fazer violência ao próprio Deus.[8]

2 – A vida é um bem pessoal intransferível


            Calvino chama o assassinato conforme descrito no sexto mandamento de um “despojamento de toda humanidade.”[9]
            Nenhum indivíduo, nenhuma organização ou sociedade tem o direito de legalizar o assassinato de pessoas, a “valorização e proteção da vida como bem pessoal proíbe de forma categórica o suicídio, a eutanásia, o infanticídio, o feticídio e o genocídio.”[10]

Conclusão
Termino este artigo chamando a atenção aos nossos deveres em relação a este assunto. Recorrendo a confessionalidade presbiteriana, à nossa herança reformada. Na pergunta 135 o Catecismo Maior de Westminster diz:

Os deveres exigidos no sexto mandamento são todo o empenho cuidadoso e todos os esforços legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros, resistindo a todos os pensamentos e propósitos, subjugando todas as paixões e evitando todas as ocasiões, tentações e práticas que tendem a tirar injustamente a vida de alguém...[11]

O Catecismo nesta questão inclui toda forma de pesquisa e planejamento voltados para a preservação da vida humana. Estudos científicos sobre causas e prevenções de doenças, pesquisas na agricultura para uma melhor produção de alimentos, construção de boas rodovias,[12] endurecimento e cumprimento das leis evitando a impunidade dos crimes contra a vida humana, a construção de bons hospitais, políticas públicas sociais voltados para a preservação da vida.
Isto que apontamos acima tem mais a ver com a sociedade num todo, mas há também no mandamento o aspecto individual, a contribuição individual para o cumprimento. 
Segundo Martinho Lutero, quebra o mandamento todo aquele que podendo fazer o bem ao próximo não o faz; podendo protegê-lo nega-lhe proteção; podendo cobrir o nu, deixa-o passar frio; negando-lhe o alimento deixa passar fome. Por isso, Deus chama de assassinos todos os que deixam a morte chegar ao próximo. Embora, não cometa o assassinato com as próprias mãos, faz tudo para que o próximo caia no precipício. O sexto mandamento proíbe a raiva e a ira em geral, proíbe fazer mal a alguém seja com gestos seja com palavras. A intenção do mandamento não somente é privar-nos de assassinar, mas de consentir o mal aos nossos semelhantes, e que devotemos a ele amor.[13]



[1] Colson, 155.
[2]
[3] Suicídio assistido é o direito de cada cidadão tirar a sua própria vida com plena assistência do Estado.
[4]
[5] Hans Ulrich REIFLER, A ética dos dez mandamentos, p. 113.
[6] Michael HORTON, A lei da perfeita liberdade, São Paulo-SP: Ed. Cultura Cristã, 2000, p. 132.
[7] Johannes Geerhardus VOS, O Catecismo Maior de Westminster comentado, p. 425.
[8] Anthony HOEKEMA. Criados a Imagem de Deus, São Paulo-SP: Ed. Cultura Cristã, 1999, p. 29.
[9] João CALVINO, As Institutas, livro II.VIII.40.
[10] Hans Ulrich REIFLER, A ética dos dez mandamentos,p. 113, para ver mais detalhes págs 121-140.
[11] O Catecismo Maior de Westminster, p. 135.
[12] Hans Ulrich REIFLER, A ética dos dez mandamentos, p. 111, aponta que no Brasil uma das maiores causa de mortes tem a ver com acidentes de transito.
[13] Martinho LUTERO, Catecismo Maior, págs. 62-65.

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